Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN não deve incidir nas receitas recebidas como fator em empresas de Fomento Mercantil (Factoring).

Como é comum de tempos em tempos, as Fazendas Públicas buscam aumentar suas receitas por intermédio da cobrança de tributos que fogem dos limites constitucionais conferidos aos mesmos, seja através da criação de tributos claramente inconstitucionais ou ainda mediante a tentativa de tributação de situações ou fatos que não se conformam à hipótese de incidência dos tributos existentes.

Exemplo disso é a atitude recente de alguns municípios de buscarem tributar todas as receitas auferidas por factoring´s, como se dá na cidade de São Paulo. O município de São Paulo vem autuando factoring´s e lançando o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN levando em consideração para a base de cálculo do tributo toda a receita destas empresas, o que inclui o denominado fator.

Mas tal atitude não se mostra correta.

Waldo Fazzio Júnior indica que o factoring ou faturização (fomento) é um contrato misto de compra e venda, desconto e cessão de crédito, pelo qual uma empresa vende a outra seu faturamento a prazo, total ou parcial, sem garantir o pagamento dos créditos transferidos, recebendo como preço valor menor que o daqueles, consistindo essa diferença em remuneração da empresa adquirente.[1]

Isso não significa, todavia, que inexista prestação de serviços. Eles existem, pois há prestação de serviços de natureza variada, múltipla e abrangente, dependendo da empresa cliente, do setor de atividade de sua clientela compradora e da vocação da prestadora.[2]

Por sua vez, o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN é um imposto de competência municipal, previsto no art. 156, III, da Constituição Federal, que incide sobre a prestação de serviços. Os municípios, ao criarem o mesmo, devem respeitar o previsto na Constituição Federal e, ainda, o quanto pautado na Lei Complementar nº 116/2003. A base de cálculo do ISSQN é o preço do serviço (art. 7º, da LC nº 116/03).

Bem, duas rubricas se mostram bastante presentes na atuação das factoring´s, sendo elas o “Fator” e o “ad valorem”.

O Fator (ou Receita de Diferencial na Compra) é a diferença apurada entre o valor de face dos títulos de crédito negociados pela empresa-cliente e o valor pago pela factoring na aquisição destes. É o deságio.

Já o “ad valorem” é a remuneração ou honorários pela prestação de serviços envolvida na operação. Esses serviços prestados remunerados pelo ad valorem se traduzem, entre outros, pela consulta de crédito, e no mercado variam de 0,5% a 1%, tendo como média 0,75%, do valor do título de crédito negociado[3]. Afinal, ninguém em sã consciência adquiriria títulos de créditos sem prévia consulta a saúde creditícia do devedor.

Bem, a natureza da aquisição de título de crédito (sob a rubrica fator) é assemelhada a “venda e compra”, quiçá a cessão de crédito, e não se traduz por serviço prestado, pelo que a receita advinda de tal negócio jurídico não possui a natureza de remuneração por serviços prestados. Trata-se de deságio, da diferença entre o valor de face do título adquirido e do valor efetivamente pago. E isso não é serviço, não se amoldando ao desenho constitucional do ISSQN.

Se conceitualmente já é perceptível que receitas auferidas a título de deságio na compra de títulos de crédito (fator) não podem servir de base de cálculo de ISSQN em razão de não se constituírem em receita advinda da prestação de serviços, cumpre indicar ainda que a própria interpretação da legislação de regência demonstra isso.

A atividade das factoring´s é assim inserida na lista de serviços anexa a Lei Complementar nº 123/2003:

“17.23 – Assessoria, análise, avaliação, atendimento, consulta, cadastro, seleção, gerenciamento de informações, administração de contas a receber ou a pagar e em geral, relacionados a operações de faturização (factoring).”

Percebe-se que o dispositivo pauta a incidência do ISSQN sobre serviços relacionados a operação de faturização (consultas e análise de crédito, etc.), mas não sobre a operação de faturização em si (que se traduz pela aquisição do título de crédito).

Logo, não se pode admitir que a base de cálculo do ISSQN inclua o fator (receita da operação de faturização, da compra do título de crédito), mas unicamente a receita dos serviços “relacionados” a operação de faturização (que são usualmente denominados de ad valorem).

Convém rememorar que a Lei Complementar nº 116/03, em seu art. 7º, pauta que a base de cálculo do ISSQN é o preço do serviço.

Se a base de cálculo é o preço do serviço, não pode ser considerada como base de cálculo do ISSQN a receita advinda das operações de aquisição de títulos (faturização), pois estas não se configuram como advindas da prestação de serviços, o que se dá, também, por obra do art. 110 do CTN.

Cumpre destacar que este é o entendimento pacífico de nossos Tribunais, inclusive do Eg. Superior Tribunal de Justiça – STJ (entre outros podemos destacar os históricos REsp nº 552.076/RS e REsp nº 998.566/RS) e do Eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (entre outros, citemos o julgamento da Apelação nº 0162683-77.2006.8.26.0000).

Assim, o intento de se tributar a rubrica denominada de fator, percebida pelas empresas de fomento mercantil (factoring´s), é atitude que não se conforma com o disposto na Constituição Federal, no Código Tributário Nacional e, tampouco, com o pautado na Lei Complementar nº 116/2003, motivo pelo qual é absolutamente irregular e viciada.


[1] FAZZIO JÚNIOR. Waldo. Manual de Direito Comercial. 2016, pág. 456.

[2] LEITE, Luiz Lemos. Factoring no Brasil. 2004, pág. 37.

[3] https://www.sinfacsp.com.br/conteudo/titulos-de-credito-e-sua-alienacao-no-factoring