Não deve haver incidência do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN sobre a multa e juros decorrentes do pagamento com atraso dos serviços prestados.

O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN, previsto no art. 156, III, da Constituição Federal, é de competência municipal e incide sobre a prestação de serviços indicados na lista anexa à Lei Complementar nº 116/2003, que o regula.

O desenho constitucional do ISSQN nos permite divisar que o mesmo não é um imposto sobre contratos, ainda que estes sejam firmados tendo como objeto a prestação de serviços, mas sim sobre serviços efetivamente prestados.

Assim, havendo serviço prestado, independentemente de o contrato ser escrito ou verbal ou mesmo de suas disposições, haverá a incidência do ISSQN acaso o serviço se encontre previsto na lista anexa à Lei Complementar nº 116/03 e na lista prevista em lei municipal.

Também é fato que o ISSQN não é um tributo que tenha como fato gerador o pagamento pelo serviço prestado. Sua base de cálculo, conforme o art. 7º da Lei Complementar nº 116/03, é o preço do serviço, mas isto se refere a parte importante para a quantificação do montante a ser pago pela exação[1] e não se constitui como o aspecto material da hipótese de incidência do tributo em si[2].

Dito de outra forma, o marco temporal[3] para a ocorrência do fato gerador do ISSQN, e, portanto, para o nascimento da obrigação tributária, é a prestação do serviço, ou de suas etapas, não importando se e quando ele foi ou será pago.

Pois bem ocorre que alguns municípios vêm tributando o valor das multas e juros incidentes sobre o preço do serviço quando há atraso no pagamento dos serviços prestados, o que se afigura irregular.

Com efeito, juros e multa por atraso de pagamento não se constituem em remuneração por serviços, mas unicamente penalidade pelo atraso no pagamento destes.

A teor do quanto já explanamos, para nascer a obrigação tributária do ISSQN e, após, o seu crédito tributário, não interessa se o tomador dos serviços pagou ou não o prestador, mas sim se o serviço foi prestado e se ele possui um valor pactuado. E é o valor do serviço que se constituirá na base de cálculo do tributo, sobre a qual incidirá a alíquota correspondente. Pouco importa, portanto, se houve pagamento do preço do serviço. É desimportante, em decorrência, se incidiu juros e multa em razão do eventual atraso no pagamento.

Em decorrência lógica, e se multa e juros por atraso no pagamento não se constituem em “preço do serviço”, mas em penalidade, não há que se tomar juros e multa por preço do serviço, sendo tais valores insuscetíveis de se constituírem em base de cálculo do ISSQN.

Dito de outra forma, se o ISSQN não é um tributo cujo fato gerador seja o contrato e também não o é um tributo que tenha por fato gerador o pagamento deste, e pouco importa se ocorreu ou não o pagamento dos serviços para o nascimento da obrigação tributária, claro se torna que o montante de juros e multa pelo atraso no pagamento pelos serviços não se constitui em base de cálculo do ISSQN.

Ora, os juros e multa de mora, neste caso, possuem natureza acessória, porque sempre decorrem de um crédito dito principal, se constituindo em remuneração de natureza indenizatória do credor por este estar privado do capital, possuindo natureza material. Não há que se falar, portanto, que decorrem de serviço prestado ou se constituem em receita por serviço prestado, pois que isso ofenderia o pautado no art. 110 do CTN e nos arts. 1º e 7º da Lei Complementar nº 116/03.

Este, aliás, é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

“TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS. MENSALIDADES ESCOLARES. BASE DE CÁLCULO. VALORES REFERENTES À CORREÇÃO MONETÁRIA E AOS JUROS DE MORA DAS PARCELAS PAGAS EM ATRASO. INCLUSÃO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Nos termos dos arts. 1º e 7º da LC n. 116/2003, o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN tem como fato gerador a prestação de serviços, sendo a base de cálculo o preço do serviço, o qual, à luz dos princípios da capacidade contributiva, da legalidade e da justiça tributária, deve estar vinculado ao ganho financeiro proporcionado pelo serviço prestado. 2. Não é legal a inclusão, na base de cálculo do ISSQN, da correção monetária e dos juros de mora incidentes sobre as mensalidades atrasadas, porquanto os respectivos valores não se relacionam com a quantia, em si, da prestação do serviço, mas, condicionalmente, com a correção e a remuneração do respectivo capital. 3. Os juros de mora têm natureza indenizatória, como se extrai do parágrafo único do art. 404 do Código Civil, razão pela qual não se pode caracterizá-los como parcela do preço do serviço. 4. Hipótese em que o recurso especial deve ser provido, porquanto não se pode entender legítima a autuação do contribuinte porque, à época do pagamento do ISSQN, pagou o tributo sem a inclusão dos juros de mora, uma vez que estes não integram o preço do serviço, mas constituem indenização inicial por eventual prejuízo decorrente da mora, a qual se dá, por sua natureza, após o vencimento da data estipulada para o pagamento da prestação do serviço. 5. Recurso especial provido. Agravo interno interposto contra o indeferimento da tutela provisória prejudicado.” (STJ – REsp: 1584736 SE 2016/0032791-8, Relator: Ministro GURGEL DE FARIA, Data de Julgamento: 06/02/2018, T1 – PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 28/02/2018)

Diante de tal quadro, multas e juros decorrentes do atraso no pagamento por serviços prestados efetivamente não podem figurar como base de cálculo do ISSQN cobrado pelos municípios, pois que não são receitas decorrentes de serviços prestados.

[1] Tratando-se da Regra Matriz de Incidência Tributária está inserido no Critério Quantitativo.

[2] Aqui remetemos ao Critério Material da Regra Matriz de Incidência Tributária.

[3] Critério Temporal da Regra Matriz de Incidência Tributária, que marca o momento do nascimento da obrigação tributária, no caso a relativa ao ISSQN.